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O Caipira Picando Fumo (1893). José Ferraz de Ameida Júnior Alguns críticos consideram Almeida Júnior como o Vemeer brasileiro. De fato, como o mestre retratista do barroco holandês do século XVII, Almeida Junior exibe a habilidade de criar retratos com profundidade psicológica e um agudo sentido de empatia. Senão, vejamos. Faça o seguinte exercício de observação: o homem retratado nesta tela é feliz? "Enquanto descrevia e examinava as plantas, aproximou-se um homem do rancho, permanecendo várias horas a olhar-me, sem proferir qualquer palavra. Desde Vila Boa até Rio das Pedras, tinha eu quiçá cem exemplos dessa estúpida indolência. Esses homens, embrutecidos pela ignorância, pela preguiça, pela falta de convivência com seus semelhantes e, talvez, por excessos venéreos primários, não pensam: vegetam como árvores, como as ervas do campo. Obrigado pela ventania a deixar o rancho, fui procurar abrigo numa das cabanas principais, mas admirei-me da desordem e da imundície reinantes na mesma”(Viagem à Província de São Paulo). "O caboclo é uma quantidade negativa. Tala cinqüenta alqueires de terra para extrair deles o com que passar fome e frio durante o ano. Calcula as sementeiras pelo máximo de sua resistência às privações, nem mais nem menos. 'Dando pra passar fome', sem virem a morrer disso, ele, a mulher e o cachorro está tudo bem; assim fez o pai, o avô, assim fará a prole empanzinada que naquele momento brinca nua no terreiro. "(Urupês) Euclides da Cunha (1866-1909) publicaria em 1939 sua obra mais célebre, Os Sertões, em que o homem do campo emerge com uma feição totalmente diferente: é um forte antes de tudo. Embora se ocupasse do sertanejo nordestino, sua descrição tem sido utilizada também para retratar o homem do meio rural em geral: "... O sertanejo é, antes de tudo, um forte. Não tem o raquitismo exaustivo dos mestiços neurastênicos do litoral. A sua aparência, entretanto, ao primeiro lance de vista, revela o contrário. Falta-lhe a plástica impecável, o desempeno, a estrutura corretíssima das organizações atléticas. É desgracioso, desengonçado, torto. É o homem permanentemente fatigado.Entretanto, toda esta aparência de cansaço ilude. Nada é mais surpreendedor do que vê-la desaparecer de improviso. Naquela organização combalida operam-se, em segundos, transmutações completas. Basta o aparecimento de qualquer incidente exigindo-lhe o desencadear das energias adormecidas. O homem transfigura-se. Empertiga-se, estadeando novos relevos, novas linhas na estatura e no gesto; e a cabeça firma-se-lhe, alta, sobre os ombros possantes aclarada pelo olhar desassombrado e forte; e corrigem-se-lhe, prestes, numa descarga nervosa instantânea, todos os efeitos do relaxamento habitual dos órgãos; e da figura vulgar do tabaréu canhestro reponta, inesperadamente, o aspecto dominador de um titã acobreado e potente, num desdobramento surpreendente de força e agilidade extraordinárias..." (Os Sertões, Euclides da Cunha) “A característica mais constante na obra de Almeida Júnior é o sentido exato da composição. A geometria é sua aliada. Onde outros estariam interessados apenas no modelo, Almeida Júnior percebe-o por meio de estruturas. O caipira pertence ao fragmento de cenário por trás dele, que compõe a estrutura espacial.: a viga é uma faixa horizontal que corta a tela ao meio ao sustentar os batentes da mesma espessura, formando uma trama de Mondrian. Os troncos dos degraus então em paralelo com a viga. As tábuas da porta em paralelo com os batentes e as linhas quadriculadas se acentuam no pau-a-pique (...)” A faca da tela remete ao tema do trabalho e da violência do caipira. Baseado no estudo de Maria Silvia Carvalho Franco, Homens Livres na Ordem Escravocrata, podemos identificar o contexto cultural da cena retratada por Almeida Júnior. As condições de produção e de vida cotidiana (a pobreza das técnicas de exploração da natureza, limites estreitos das possibilidades de aproveitamento do trabalho e a conseqüente escassez dos recursos de sobrevivência, como enumera Maria Sylvia de Carvalho Franco) conduzem ao que a autora chama de "sobreposição de áreas de interesse".
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